Benzeres

A aldeia abandonada que se tornou a capital designada dos Medos


            Era uma vez uma aldeia. Uma aldeia que se situa num vale, frequentemente enevoado, de uma serra com vista para o mar, junto a um pequeno rio atravessado por uma ponte da Antiguidade à entrada da povoação. Uma aldeia que fica no meio de tudo: situa-se entre o Litoral e o Interior, entre o Norte e o Sul, entre uma área rural e a área urbana de uma capital de distrito; em suma, pode-se dizer que essa aldeia existe na fronteira de todas as divisões territoriais imaginadas ou seja, encontra-se mesmo no centro dos centros. O seu nome? Benzeres. Um mistério toponímico interessante, mas também sugestivo.
            Benzeres era uma aldeia como muitas outras no passado: rústica, com construções tipicamente rurais, cheio de movimento em parte explicado por ser um ponto de passagem, e, claro, cheia de vida, tanto de pessoas como de animais. A maioria dos seus habitantes vivia (ou melhor, sobrevivia) da agricultura e pecuária de subsistência, e também da obtenção de alguns recursos fornecidos pela floresta (caça, madeira, resina, etc), com a vida marcada pela Natureza agreste e pela passagem do tempo que se repetia ano após ano. A sua estrutura social e a sua rotina cultural, de cunho principalmente religioso, estavam há muito bem definidas, tal como se esperava numa aldeia: uns faziam a sua vida de forma diferente da de outros, e faziam-se diferentes eventos em alturas diferentes. E era assim Benzeres. Até aquele fatídico dia, há muitos, muitos anos.
            Ninguém sabe ao certo como é que tudo começou. A versão mais aceite é que foi quando um dia se lavou um caixão na aldeia, cujos restos contaminaram a água do rio que passa junto à povoação e do poço que está à entrada da ponte. A partir daí veio a desgraça. Uma doença fustigou Benzeres. Tal como o nome da aldeia que afetou, esta doença também é um mistério: até hoje ninguém sabe bem do que se tratou, dados os sintomas – que nos abstemos de dizer, pois alguns são horríveis para serem contados! – não coincidirem com nenhuma doença conhecida até à atualidade. A maleita não durou muito tempo; pelos relatos, durou no máximo 3 meses. Mas foi tempo suficiente para ditar o destino de Benzeres, infelizmente. Morreram mais de 100 pessoas. A doença não escolhia idade, sexo, profissão ou posição social – qualquer um podia morrer dela. Nem os animais, fossem quais fossem, escapavam da morte pela maleita: perdeu-se assim muita da criação da aldeia. A partir daí, os habitantes que restavam começaram a partir: com medo que a morte também lhes batesse à porta, e em choque pelo desaparecimento trágico de pessoas que conheciam e que muitas vezes gostavam (não se esqueçam de que se tratava de uma aldeia, onde toda a gente se conhece!) e da perda de boa parte do sustento que tinham, muitos fugiram para as aldeias vizinhas, mesmo muito tempo após a maleita cessar, tão misteriosamente como começou. Benzeres perdeu progressivamente assim a maior parte da sua população, e mais nenhum novo habitante nasceu ou mudou-se para lá (o estigma da doença nunca mais deixou a povoação, cujos ares diziam-se não estarem bons nem para se estar de passagem!). Então o êxodo rural, a emigração e a morte por uma velhice solitária fizeram o resto. Benzeres ficou despovoada de habitantes.
            Hoje Benzeres é considerada uma aldeia abandonada. Da povoação cheia de movimento e de vida já só restam as eternas ruínas das suas construções, tomadas cada vez mais pela vegetação silvestre, como se a Natureza reclamasse para si de novo algo que emprestou. Mas nem toda a vegetação está viva: muitas árvores da zona secaram repentinamente ao longo dos anos, atingidas por uma patologia desconhecida – até parece que é a mesma doença diabólica que há décadas ceifou a vida de muitas pessoas e animais, e que depois escolheu as árvores como suas novas vítimas! Aliás, as populações vizinhas dizem frequentemente que o ar de Benzeres «é daninho», próprio de um «lugar assustador e tão silencioso que nem os pássaros se ouvem!» Deduz-se que muita gente não vai lá, e que muito menos se demora! E assim, Benzeres está desabitada, sem movimento para além do vento da serra que amiúde vai soprando e da água quase parada do rio.

Ilustração de Benzeres
Benzeres: retrato de uma aldeia abandonada… Abandonada mesmo?

            Ou melhor, Benzeres aparentar estar desabitada, mas na realidade está habitada! Ou seria melhor antes dizer assombrada?! São fantasmas que a assombram? Nada disso: em Benzeres habitam Medos!! Portanto, não está correto dizer-se que a aldeia está abandonada!
            Pois bem, a seguir ao abandono total da aldeia, o que resta dela começou a ser o refúgio de vários Medos. Há quem diga que foram atraídos pela energia negativa que irradia devido à tragédia que lá ocorreu, mas tudo indica que o facto de, como já dissemos aqui, estar no meio de tudo, o sossego em parte por ser um sítio muito isolado, o nevoeiro quase constante e a pouca frequência por pessoas devido ao pavor que o lugar incute foram as razões mais prováveis pelas quais se instalaram parcial ou permanentemente aí. A maior parte desses Medos abrigam-se na povoação quando estão a descansar, saindo de lá na maior das vezes nas respetivas horas de aparição para procurarem alimento nas áreas que lhes foram destinadas, sendo que para isso podem percorrer enormes distâncias de ida e volta em pouco tempo principalmente devido a diversas habilidades sobrenaturais – liquidificação, teletransporte, uso do Balborinho e velocidade hipersónica – enquanto outros costumam parar durante algum tempo aí antes de irem para outras paragens; o facto do lugar estar mesmo no centro dos centros, tal como dissemos antes, ajuda nas deslocações para quaisquer lados por parte dos seus atuais residentes temporários e permanentes. É devido a essa atividade sobrenatural frenética que Benzeres é mesma considerada a capital dos Medos – uma afirmação nada exagerada, como agora vão ver pelos Medos que pelo menos lá habitam a tempo parcial!
            Começamos pela grande quinta perto da aldeia, abandonada pelos habitantes originais como o resto do lugar, mas hoje habitada pelo Maldigueiro, que gosta muito do espaço. Mais adiante encontra-se outra quinta, mais pequena, mas cujo espaço é tenazmente defendido de quem não está autorizado a lá entrar pelo seu dono dos dias de hoje, o Sapuarda. Por perto está outra casa onde viviam no máximo 4 empregados do padre, todos homens solteiros; os seus moradores atuais são os Medos do Grupo XXII – Grupo dos Companheiros de Quarto –: o Akihagato, o Entreabelhaco, o Raicular e o Anfiscanito. Podem estar sempre a pregar partidas uns aos outros, mas são, no fundo, muito unidos por um forte companheirismo entre eles, e partilham o único quarto que há naquela casa.
            Boa parte da área florestal que rodeia a aldeia, tanto com árvores vivas como mortas, é constituída por pinheiros-bravos, onde se esconde o Aújo, que também recebe visitas ocasionais da Almionária; junto ao rio há uma mata de freixos, que serve de abrigo ao Freixadachim. A sorte grande sai-lhes quando ocasionalmente surgem as suas fontes de alimentação primária (pessoas no caso do Freixadachim e da Almionária, cães e gatos no caso do Aújo), o que evita que esses «espíritos da floresta» saiam da floresta à procura de alimento, muitas vezes a grande distância dali.
            O poço junto à ponte e ao lado do caminho que passa pela aldeia, que antes servia a povoação, é atualmente o esconderijo temporário do Diabolypus, que volta e meia aí surge depois de passar por outros poços; mas só fica lá até a fome apertar e fazer com que vá em busca de pessoas que imprudentemente se aproximem de poços em lugares bem mais frequentados. Já debaixo da ponte esconde-se o Esbarbalhaço, cujo tamanho bastante auto-reduzido para se abrigar na água ali parada não deixa ver que se trata do maior dos Medos. Mais adiante no rio, ainda junto à aldeia, moram a Poetágide e a Crocomanta, respetivamente, numa gruta perto de água e numa cabana na praia fluvial.
            Raras vezes aparecem em Benzeres o Mestrespírito e o Moleirata após subirem o rio desde a costa com os seus barcos fantasmas e lá ficam uns dias antes de voltarem ao mar. Enquanto os Medos que ali se encontram a descansar toleram e até aceitam como vizinho fugaz o Mestrespírito devido à sua simpatia e boa-educação, eles detestam a presença do Moleirata por causa do berreiro irritante que faz intercalado com ataques de tosse com escarro e pela recusa louca e agressiva em parar com isso quando chamado à atenção!
            Já na própria povoação, mas ainda junto ao rio, existe a fonte que também servia a aldeia, e que hoje serve de morada à Marwitra, uma figurinha com atitudes urbanas (será que não são antes… Suburbanas?!) que se adaptou ao meio rural, possivelmente devido ao já aqui referido facto do lugar se situar entre uma área rural e uma área urbana (então, pode-se considerar que é uma área suburbana? Talvez daí que uma Medo com atitudes «não-completamente-urbanas» tenha-se adaptado bem ao local!). Os seus vizinhos do lado são o Mancalhardo e a Malavapata, um casal de Medos que habita a antiga azenha onde se moía o cereal em tempos idos.
            Perto desse casal espetral vive a Marwrcúlea, que muitas ajuda a carregar material de construção de pontes para a Caixinha Mágica do espertalhão do Mancalhardo, que se aproveita do facto de ela adorar carregar objetos pesados para não lhe dar nada em troca.
            A seguir à ponte encontra-se a casa do Varrineto, com os seus 2 varapaus sempre prontos para a ação. Se calhar convém-lhe, uma vez que tem como vizinhos mais próximos a Amaninhas, o Setaduras, o Coluberbudo e o Galiforniano, tudo «boa gente»!
            No largo principal da aldeia, no centro, onde a população original se reunia em certas ocasiões dentro ou fora da antiga igreja ([re]lembrem-se: as igrejas nas aldeias costumam estar no meio das povoações), habitam e encontram-se para brincarem os Medos do Grupo XV – Grupo dos Menores de Idade –: o Melrusquatro, a Miu-Miu, o Moirenino e o Fogajinho. Podem-no fazer sem temer ficar de repente no meio de um eventual combate renhido e feroz entre o Formigueister e a Nuventesma quando estes ocasionalmente passam pela povoação, uma vez que a vista do cruzeiro do largo afasta-os para um sítio onde essa grande cruz de pedra esteja fora do alcance das suas visões, onde podem andar à bulha à vontade. A torre da igreja é a casa do Tira-Unhas. Numa oficina ao lado da igreja descansa o Raptáxi, possivelmente sonhando em novas maneiras de raptar as pessoas para lhes sugar a energia! É também no largo da igreja que se encontra a antiga junta de freguesia (antigamente chamada junta de paróquia), onde mora o Agarradaotachossauro – olhem, uma casa apropriada para ele (atenção, que não é presidente de junta alguma, embora goste de pensar que é)! O Tútancamone também costuma aparecer no largo, vindo da sua casa à saída de Benzeres, para aproveitar na espreguiçadeira que leva sempre consigo os raios de Sol que volta e meio o denso nevoeiro local deixa passar.
            É também à saída de Benzeres, já na encosta da montanha junto à aldeia, o local de descanso do Lupicóptero, da Sombreeira, da Cocagartixa e da Rapinarpia quando não percorrem vales e elevações em busca do alimento deles. As antigas instalações fabris ali instaladas servem de abrigo à Saconigra. Depois de se mudar da sua ilha de origem, o Pika-Miolos também escolheu residir aí, uma vez que não é longe da área onde agora deve procurar alimento.
            Outros Medos também vivem noutras parte de Benzeres para além das já aqui referidas. O Najarrabu e o Almacavar, os Medos do Grupo II – Grupo Duo Maravilha –, são vizinhos e saem juntos em busca de pessoas, a sua fonte de alimentam (eles não se alimentam de pessoas, atenção!). Para grande chatice do Ferraivoso, que não mora longe deles, a sua vizinha da frente é a chata (para ele) da Albinchoa, que o persegue perdidamente apaixonada! A Leitessuga descansa na taberna da aldeia, quem sabe sonhando em aparecer lá magicamente uma bilha de leite fresquinho; às vezes atuam lá a Bisarmofonia e o Chico Rilário, que moram nos lados laterais opostos, e faz lá uma festança o Chimbanzé, que mora em frente. O Encobatro gosta de viver no lugar por estar quase sempre nevoeiro natural, nevoeiro esse que se mistura com o seu nevoeiro com cheiro a azeite. O Agourvo, vizinho do Encobatro, gosta de considerar o nevoeiro local prenúncio de um destino fatalista. A casa do Soc’-à-Toa é a antiga escola primária, que é onde se sente melhor. A Mamã Ossa, o Yankeaper, o Ensonho, a Marwxúria, o Tó Peira, o Olhaspião e o Stalker também moram na povoação. A Motodelouca e a Aeromoça costumam passar ocasionalmente pela aldeia, instalando-se por uns dias, respetivamente, numa casinha e numa nuvem sobre o lugar (tão sossegado que nem os aviões por aí passam!).~
            Para quem quiser ver esses Medos já aqui referidos ao vivo onde se abrigam, Benzeres é acessível através de um caminho de terra batida que começa junto a um santuário e que serpenteia entre montanhas e vales até chegar à ponte que está à entrada da aldeia. Mas olhem que vão para lá por vossa conta e risco - não convém ir de ânimo leve, e há que tomar muitas providências, pois muitos desses Medos consideram a chegada pouco frequente de pessoas ali que vêm logo uma oportunidade para se alimentarem sem se deslocarem… E dada a maneira como alguns deles se alimentam…! As populações vizinhas (constituídas por pessoas vivas, claro!) sabem bem disso, e até têm um ditado: «Se vais a Benzeres, o melhor é antes te benzeres!» Não tínhamos dito que Benzeres era um mistério toponímico sugestivo?!

Sem comentários: